J.R.R. Tolkien e sua relação com a Bíblia

Obras de Tolkien Inspiradas pela Bíblia

J.R.R. Tolkien é conhecido como o pai da fantasia moderna, mas sua obra vai muito além de histórias de elfos, anéis mágicos e dragões. Católico devoto, filólogo brilhante e escritor apaixonado, Tolkien construiu um mundo que reflete sua profunda conexão com a espiritualidade e sua paixão pela linguagem. Entre suas obras, O Silmarillion destaca-se como um épico de criação, muitas vezes comparado ao Gênesis bíblico. Este artigo explora como a fé, a filologia e o gênio literário de Tolkien convergiram para criar uma mitologia que ressoa com temas universais de bem, mal, redenção e esperança.


A Criação em O Silmarillion e o Gênesis
No centro de O Silmarillion está a Ainulindalë, o relato da criação de Arda, que ecoa a história do Gênesis. Assim como Deus cria o mundo pela palavra, Eru Ilúvatar, o Deus supremo do universo de Tolkien, dá origem à existência através da música. A Ainulindalë é uma narrativa onde a harmonia e a dissonância simbolizam o bem e o mal, um paralelo direto à queda de Lúcifer e à rebeldia contra a ordem divina.

  • Eru Ilúvatar e Deus: Tanto Eru quanto o Deus bíblico são entidades supremas, criadoras de todas as coisas e fontes do bem.
  • Melkor e Lúcifer: Melkor, o mais poderoso dos Ainur, se rebela contra Eru, assim como Lúcifer desafia Deus. Essa queda é o ponto de partida para o conflito entre luz e trevas que permeia o universo de Tolkien.

A Influência do Catolicismo na Obra de Tolkien
Tolkien era profundamente católico, e sua fé moldou seu pensamento e suas histórias. Ele acreditava que sua escrita era uma forma de subcriação, ou seja, uma extensão da obra criativa de Deus. Apesar de Tolkien ter rejeitado a ideia de que seus livros eram alegorias, ele reconheceu que sua visão de mundo cristã inevitavelmente influenciava sua narrativa.

  • Redenção e Sacrifício: Elementos centrais do cristianismo aparecem em vários personagens e momentos, como o sacrifício de Frodo em O Senhor dos Anéis, que reflete a entrega de Cristo.
  • Esperança e Livre-Arbítrio: Tolkien destaca a importância da esperança mesmo em tempos sombrios, um tema profundamente cristão.

A Paixão pela Filologia e as Línguas Inventadas
Tolkien era um filólogo apaixonado, especializado em línguas antigas como o anglo-saxão e o finlandês. Essa paixão foi a base para a criação das línguas élficas, como o Quenya e o Sindarin. Ele acreditava que as línguas eram inseparáveis das culturas, e cada detalhe de Arda foi moldado para refletir essa conexão.

  • Curiosidade: Tolkien começou a inventar suas próprias línguas ainda na juventude, e algumas delas são mais detalhadas do que muitos idiomas reais.
  • A Inspiração Linguística: O Quenya foi inspirado pelo finlandês, enquanto o Sindarin tem influências do galês.

Curiosidades Sobre Tolkien e Sua Obra

  • O Clube dos Inklings: Tolkien fazia parte de um grupo literário com C.S. Lewis, outro autor cristão, que escreveu As Crônicas de Nárnia.
  • Relutância em Publicar O Silmarillion: Tolkien passou décadas trabalhando em O Silmarillion, mas ele só foi publicado postumamente por seu filho, Christopher Tolkien.
  • A Conversão de C.S. Lewis: Tolkien teve um papel importante na conversão de Lewis ao cristianismo, mostrando a profundidade de sua fé e amizade.

Comparar os personagens de “O Senhor dos Anéis” com figuras ou papéis bíblicos é um exercício interessante, considerando que J.R.R. Tolkien, como católico devoto, estava profundamente influenciado por temas cristãos, embora ele tenha insistido que suas obras não eram alegorias. Essa análise pode ser feita a partir das funções simbólicas e arquetípicas que os personagens desempenham na narrativa. Aqui está uma possível correspondência:


1. Gandalf como Profeta

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Gandalf atua como guia espiritual e moral, trazendo sabedoria e direção. Ele é enviado pelos Valar (uma espécie de “anjos” de Eru, o Deus criador de Arda) com a missão de resistir a Sauron e proteger os povos da Terra-média.
  • Paralelo Bíblico: Gandalf pode ser comparado a profetas como Moisés ou Elias, que orientam e lideram o povo em tempos de crise, muitas vezes enfrentando oposição. Assim como os profetas, Gandalf carrega uma autoridade espiritual e uma missão divina.
  • Morte e Ressurreição: Gandalf “morre” lutando contra o Balrog e retorna como Gandalf, o Branco, um paralelo à ressurreição, que também remete a Cristo ou a figuras proféticas que enfrentam transformações divinas.

2. Frodo como Sacerdote

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Frodo é um portador de fardo (o Anel), cuja missão exige sacrifício pessoal em benefício de todos. Ele age com humildade e obediência, e sua jornada é um ato de serviço e renúncia.
  • Paralelo Bíblico: Frodo pode ser comparado a um sacerdote que intercede pelo povo, carregando o peso do pecado (simbolizado pelo Anel) em direção à redenção. A sua caminhada para destruir o Anel lembra Cristo carregando a cruz, assumindo um fardo para salvar o mundo.
  • Renúncia: Frodo, como um sacerdote, coloca o bem maior acima de seus desejos pessoais, aceitando sofrimento e isolamento para cumprir sua missão.

3. Aragorn como Rei

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Aragorn é o legítimo herdeiro do trono de Gondor, um líder valente e justo. Ele representa o arquétipo do “rei redentor” que traz esperança, restaura a ordem e governa com sabedoria e compaixão.
  • Paralelo Bíblico: Aragorn ecoa o papel de reis bíblicos como Davi e Salomão, que lideram com justiça e estabelecem a paz. Sua coroação em Gondor remete à chegada de um rei prometido, uma figura messiânica, como Jesus Cristo no Novo Testamento.
  • Rei Curador: A habilidade de Aragorn de curar com as “mãos do rei” reflete o papel do Messias como aquele que traz cura e restauração.

4. Sam como Discípulo Fiel

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Sam é o fiel companheiro de Frodo, sustentando-o em sua jornada, mesmo nos momentos mais difíceis, e nunca o abandona.
  • Paralelo Bíblico: Sam pode ser comparado a figuras como Pedro ou João, discípulos fiéis que permanecem ao lado de Jesus, mesmo em tempos de sofrimento. Ele também reflete a virtude cristã da amizade e do serviço altruísta.
  • Serviço e Humildade: Sam está sempre disposto a servir Frodo, colocando as necessidades do outro acima das suas próprias.

5. Sauron como Satanás

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Sauron representa o mal absoluto, buscando poder e controle sobre toda a Terra-média. Ele corrompe, engana e tenta todos que entram em contato com o Anel.
  • Paralelo Bíblico: Sauron é um reflexo de Satanás, o inimigo de Deus na Bíblia, que busca dominar e corromper a criação. O Anel pode ser visto como uma manifestação do pecado, que exerce uma atração destrutiva sobre todos que o tocam.

6. Galadriel como Figura de Sabedoria Divina

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Galadriel é uma figura de sabedoria e luz, oferecendo orientação espiritual e dons para ajudar na jornada. Ela é uma espécie de guardiã do bem e da esperança.
  • Paralelo Bíblico: Galadriel pode ser comparada à Sabedoria divina descrita em Provérbios ou até mesmo à Maria, mãe de Jesus, como intercessora e fonte de graça e orientação.

7. Boromir como Figura de Queda e Redenção

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: Boromir cede à tentação do Anel, tentando usá-lo para proteger Gondor, mas acaba redimido ao sacrificar sua vida para salvar os hobbits.
  • Paralelo Bíblico: Ele pode ser comparado a Pedro, que nega Jesus, mas depois se redime, ou a outros personagens bíblicos que enfrentam tentação, como Judas, mas encontram redenção através do arrependimento.

8. O Anel como o Pecado

  • Papel em “O Senhor dos Anéis”: O Anel corrompe aqueles que o possuem, alimentando o orgulho, a ganância e o desejo de poder.
  • Paralelo Bíblico: O Anel simboliza o pecado, que seduz e escraviza. Assim como o pecado deve ser destruído, o Anel precisa ser eliminado para libertar a Terra-média.

Essa comparação revela como Tolkien, mesmo sem criar uma alegoria direta, usou elementos arquetípicos que dialogam profundamente com a tradição cristã e a narrativa bíblica. Os personagens e temas de “O Senhor dos Anéis” são atemporais, refletindo lutas e virtudes humanas universais, enquanto ecoam a história da redenção e o confronto entre o bem e o mal presente na Bíblia.


Tolkien não era apenas um contador de histórias, mas um criador de mundos cujas raízes estão profundamente fincadas em sua espiritualidade, amor pela linguagem e visão de mundo. O Silmarillion é mais do que uma fantasia épica; é uma expressão da crença de Tolkien na luta contínua entre o bem e o mal, na beleza da criação e na esperança redentora. Assim como o Gênesis inspira milhões, O Silmarillion continua a cativar leitores, mostrando que mesmo nos mitos mais fantásticos, há ecos das verdades universais que unem a humanidade.


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