Tensões políticas, possest e alteridade


O material apresentado delineia o esboço conceitual de uma “Teoria Geral das Tensões” — um ambicioso tratado filosófico, ontológico, epistemológico e histórico que busca integrar diversos domínios do saber a partir da ideia central de tensão como princípio organizador do real. A seguir, proponho uma estrutura sistematizada do conteúdo, com base nos trechos fornecidos:


📘 Tratado da Teoria Geral das Tensões — Esquema e Temas Fundamentais


I. Fundamentos Conceituais da Tensão

  1. Acepções do termo “tensão”
    • Etimologia: tam (sânscrito); tónos (Plotino)
    • Conexão com a energia vital, com a música, com o movimento (tesis/arsis)
  2. O conceito de ordem
    • Ordem como princípio ontológico e funcional
    • Relação com Cuvier: ordenação funcional dos organismos
  3. Todo e parte – Relações e Funções
    • Princípio: há tensões quando algo é predicável do todo, mas não das partes isoladas
  4. Conceito de harmonia
    • Harmonia como expressão da tensão resolvida ou equilibrada
    • Conexão com analogia, proporção e organização (Cassirer, Kant, Plotino)
  5. Síntese e Dialética da Analogia
    • Analogia como mediação entre ser e conhecer
    • Campo ontológico e epistemológico da analogia
    • Dialética entre múltiplo e uno

II. Fenomenologia e Metafísica da Tensão

  1. Desenvolvimento do conceito de tensão
    • Fluxos e refluxos
    • Clímax, tese, arsis, refluxões
    • Transições: nascimento, vida e morte das tensões
  2. Transfiguração: Assunção e Suscepção
    • Superação e incorporação de tensões
    • Caminhos simbólicos e metafísicos
  3. Tensões Ontológica e Onticamente consideradas
    • Tensão como estrutura do ser
    • Ser como tensionalidade estruturada
    • Atualização das potências e permanência na imanência
  4. Esquemas como tensões
    • Esquemas noéticos, eidéticos, factivos
    • Aritmós – número como estrutura essencial (pitagorismo)
    • Haecceitas, singularidade, forma, substância

III. Epistemologia Tensional

  1. Princípio da Individualidade
  • Tensão como diferencial do ser
  • Fuetscher e Duns Scot
  • Tensão entre universalitas e singularitas
  1. Arithmós e pensamento pitagórico
  • Número como forma de organização do real
  • Influência aritmológica na ciência e história
  • Números tensionais: fatores intrínsecos e extrínsecos
  1. Distinção e União como Método
  • Goethe: “primeiro distinguir, depois unir”
  • Fundamento epistemológico da tensão

IV. Aplicações e Desenvolvimento Histórico

  1. Aplicações na biologia, física, história
  • Cuvier: dependência funcional dos órgãos
  • Tensões nos ciclos históricos: cráticos, artísticos, filosóficos
  1. Crítica e superação das teorias históricas
  • Spengler, Toynbee, conjunturólogos
  • Aplicação tensional na análise da história e da cultura
  1. Teoria Econômica sob base tensional
  • Conjuntura, ciclos, progresso/regresso
  • Economia como campo de forças e equilíbrios tensoriais
  1. Tensão e transitoriedade
  • Estudo do nascimento, vida e dissolução das tensões
  • Simbolismo e leis universais (Lei do Bem, MEMP, Lei de Ouro)

V. Metateoria e Justificação Filosófica

  1. Coragem filosófica
  • Recusa ao reducionismo enciclopedista
  • Defesa do esforço de síntese filosófica interdisciplinar
  1. Imanência e Transcendência na tensão
  • Tensão como imanência e possibilidade de transcendência
  • Plotino: o Um e o múltiplo
  • Parmênides: distinção entre graus de unidade
  1. Organização da Teoria
  • a) Tensões em geral
  • b) Tensões nas esferas específicas (história, ciência, arte etc.)
  • c) Concreção final
  1. Compromisso filosófico
  • O tratado como um ato de coragem intelectual
  • Superação da divisão entre filosofia e ciência
  • “Se Ícaro malogrou, alguém precisava tentar o voo humano.”

VI. Horizontes Futuros e Abertura

  • Este tratado não pretende resolver tudo, mas apontar um caminho novo
  • Esperança de inspirar outros pensadores
  • A teoria da tensão como paradigma aberto de interpretação do ser e do conhecimento

📚 Referências centrais mencionadas:

  • Plotino, Enéadas
  • Parmênides e Platão, Parmênides
  • Cuvier, Leçons d’anatomie comparée
  • Kant
  • Cassirer, El problema del conocimiento
  • Duns Scot
  • Rudolf Otto, Mystique d’Or
  • Goethe
  • Fuetscher
  • Spengler, Declínio do Ocidente
  • Toynbee, Estudo da História

Possest é uma forma condensada, densa e profundamente significativa, especialmente no contexto filosófico e ontológico. A palavra aparece com destaque no pensamento de Gottfried Wilhelm Leibniz, embora sua ressonância se estenda a outras tradições metafísicas.


📌 Significado de “Possest”

Possest é uma forma verbal latina composta de:

  • Posse (do verbo posse, “poder”, “ser possível”)
  • Est (terceira pessoa do singular do verbo esse, “ser”)

Logo, possest = posse est = “é possível ser”, ou “é potência-ser”.

Não é apenas “o que pode ser”, mas uma tensão entre potência e ato, um modo de ser no qual o possível já traz em si a condição ontológica do ser.


🧠 Interpretação filosófica (em Leibniz, mas além dele)

1. Noção de compossibilidade (Leibniz)

Leibniz introduz o conceito de compossibilidade, que envolve o que pode coexistir logicamente em um mundo possível. Nem tudo que é logicamente concebível é compossível com outras coisas. Assim:

“Possest” é aquilo que tem possibilidade de ser real, por não entrar em contradição com os princípios do mundo ordenado e harmônico.

2. Possest como tensão ontológica

Na perspectiva de uma Teoria Geral das Tensões, “possest” representa a tensão original entre potência e ato, entre virtualidade e existência. Não é apenas o “poder ser”, mas a intensão (tensão interna) do “ser possível”.

Assim, pode ser entendido como:

  • O núcleo de energia do ser antes da manifestação;
  • O germe ontológico, antes da individuação;
  • A vibração tensional entre o ser que ainda não é e o ser que poderá ser.

📚 Conexões com outros sistemas filosóficos

📌 Aristóteles:

A tensão entre dynamis (potência) e energeia (ato). O possest é o campo em que a potência vibra com densidade ontológica própria.

📌 Plotino:

Emanação do Uno: cada grau de ser guarda uma tensão interna entre unidade e multiplicidade. “Possest” seria o ponto tensional em que o Um pode gerar o múltiplo sem deixar de ser Um.

📌 Santo Tomás de Aquino:

Potência passiva e ato puro. Deus como actus purus seria o possest absoluto — aquilo que é pura potência atualizada eternamente.

📌 Duns Scot:

A ideia de haecceitas: singularidade individual que emerge do ser comum. O possest seria o que precede a haecceitas, potência do ser individual, ainda em estado de espera.


🧩 No contexto da Teoria Geral das Tensões

Dentro do Tratado da Teoria Geral das Tensões, o “possest” pode ser tomado como:

  • O ponto de máxima concentração tensional do ser possível;
  • Uma estrutura pré-ontológica, o “antes” da individuação do ente;
  • A chama não acesa, mas que contém em si o poder do fogo;
  • A semente do real na ontologia analógica, cujo campo é simultaneamente imanente e transcendente.

🔁 Exemplo didático (imagem poética)

Uma maçã ainda não visível na árvore:
o “possest” da maçã está na flor que tensiona entre desaparecer e frutificar.
É mais que um “talvez”, menos que um “já”.
É um “ser podendo ser”.


POSSEST: O NÚCLEO DA TENSÃO ONTOLÓGICA

Entre Potência e Ato, Ser e Possível, Uno e Múltiplo


Resumo

O presente artigo visa explorar o conceito de possest como núcleo essencial da tensão ontológica, compreendido como o ponto de máxima intensidade entre potência e ato, imanência e transcendência, ser e possibilidade. Partindo de sua origem latina e passando pelas concepções metafísicas de Leibniz, Aristóteles, Plotino, Duns Scot e da tradição escolástica, propõe-se uma releitura do possest como centro organizador do real, à luz da Teoria Geral das Tensões. Busca-se demonstrar que possest não é apenas um termo linguístico ou lógico, mas uma estrutura dinamogênica do ser.


1. Introdução

Em meio à densa malha da ontologia, entre o ser que é e o ser que pode ser, habita um conceito quase esquecido nas filosofias mais recentes: possest. Derivado da contração latina de posse est, ou seja, “é possível ser”, esse termo não apenas nomeia uma possibilidade abstrata, mas aponta para um estado ontológico específico — uma tensão originária do ser.

Tal concepção torna-se central ao esforço de uma Teoria Geral das Tensões, que visa interpretar a realidade não como uma sucessão de entes acabados, mas como uma trama contínua de tensões ontológicas em processo de atualização. O possest representa, nesse contexto, o ponto mais denso da potência, já saturado de ato, ainda sem se manifestar como ente concreto.


2. Etimologia e Significado Filosófico

Possest = Posse + Est
Literalmente, “é poder-ser” ou “é possível ser”.

Diferente de um simples poder vir a ser (possibilidade lógica), o possestcarrega em si a estrutura de ser, como se fosse a tensão em repouso antes da manifestação. Essa sutil diferença entre potentia e possest aponta para um estado de prontidão ontológica, onde o ser está em vigília.


3. Possest em Leibniz: compossibilidade e mundos possíveis

Leibniz, em sua teoria dos mundos possíveis, afirma que:

“Tudo o que é possível exige uma razão para ser, ou não ser, atualizado.”

O possest aparece nesse horizonte como aquilo que é possível sem contradição, mas também que requer uma harmonia interna com o todo do mundo possível. É mais que lógica: é ontologia compatível.

O possest leibniziano carrega a tensão entre:

  • Mônada como potência de percepção, e
  • Deus como ato puro que atualiza o conjunto mais harmônico.

4. Aristóteles e o campo da potência

Em Aristóteles, a tensão entre dynamis (potência) e energeia (ato) é o fundamento da mudança. Todo ente natural é um composto de potência e ato. O possest, nesse contexto, é o ponto de tensão ativa, onde a potência já possui forma, ainda que não plenamente manifestada.

O possest pode então ser interpretado como:

  • Uma potência iminente, em estado de latência saturada;
  • O limiar entre ser e vir a ser.

5. Plotino e a emanação: do Um ao múltiplo

Para Plotino, tudo emana do Uno por necessidade metafísica. Essa emanação não é casual, mas tensional. O Um permanece, e tudo emerge dele como luz de uma fonte.

O possest aqui corresponde ao instante em que:

  • O Uno permanece Uno, mas já produz o múltiplo.
  • A emanatio ainda é Um, mas carrega o germe da multiplicidade.

6. Duns Scot e a haecceitas

Duns Scot introduz o conceito de haecceitas: aquilo que faz algo ser este algo, sua singularidade. Mas antes disso, há o campo da quidditas (essência possível).

O possest pode ser entendido como:

  • A potência qualitativa do ser individual ainda não concretizado;
  • O campo intensivo de onde emerge a haecceitas.

7. O Possest na Teoria Geral das Tensões

Dentro da Teoria Geral das Tensões, o possest ocupa o centro estrutural da metafísica tensional. Ele não é uma abstração, mas a estrutura fundamental do vir-a-ser, onde todo ser é:

  • Tensão entre o que já é e o que ainda não é;
  • Campo de forças entre imanência e transcendência;
  • Energia pré-ontológica que organiza e orienta o ato.

📌 Exemplo simbólico:

Uma semente no solo escuro da terra é possest:
ela já contém o ser da árvore, mas ainda não o manifesta.
Ela vibra em tensão entre terra e céu, entre forma e matéria, entre tempo e eternidade.


8. Esquemas tensionais e o “possest” como nó metafísico

Os esquemas do ser (noéticos, eidéticos, factivos, arithmoi) podem ser pensados como diferentes manifestações do possest:

Tipo de EsquemaGrau de AtualizaçãoRelação com o Possest
NoéticoPura potencialidade formalPotência formal do ser
EidéticoEssência estruturadaConfiguração do possível
FactivoImagem e representaçãoSimbolização do possível
ConcretoAtualização plenaRealização da tensão

9. Tensão, Transitoriedade e Atualização

Toda tensão, segundo a Teoria Geral das Tensões, nasce, vive e morre. O possest é o estado pré-climático, a fase de gestação do ser.

Assim, há:

  • Tensão ontogênica (no nascer do ser)
  • Tensão ontocrática (no equilíbrio do ser)
  • Tensão ontodissolutiva (no declínio do ser)

O possest corresponde ao primeiro instante — pré-ser — onde o vir-a-ser pulsa em sua máxima intensidade silenciosa.


10. Considerações Finais

O conceito de possest, resgatado de sua aparência gramatical e retomado como categoria filosófica de primeira ordem, permite repensar os fundamentos do ser a partir de uma lógica tensional. Não é apenas um “poder ser”, mas um “ser em potência-tensional”.

Sua reinserção no pensamento metafísico contemporâneo pode inaugurar um novo modo de conceber o real: não como dado, nem como construído, mas como tensionado em sua própria essência.


Referências

  • Aristóteles. Metafísica.
  • Duns Scot. Opera Omnia.
  • Leibniz, G. W. Monadologia; Discurso de Metafísica.
  • Plotino. Enéadas.
  • Otto, Rudolf. Mystique d’Or.
  • Cassirer, Ernst. El Problema del Conocimiento.
  • Teoria Geral das Tensões (fragmentos e notas não publicadas)

Esse material é de altíssimo valor filosófico — evidentemente parte de um sistema ontológico original (provavelmente vinculado a Xavier Zubiri, Gaston Bachelard ou autores da tradição ibero-brasileira da metafísica tensional, como Antonio Paim ou Mário Ferreira dos Santos).

A riqueza conceitual do texto sugere uma metafísica onde o ser se manifesta como tensão, e a unidade, a transcendência, o tempo, o espaço e os esquemas mentais são todos formas tensionais de realidade.

A seguir, apresento uma leitura sistemática e articulada do seu material, estruturando-o em torno do eixo central:

“A tensão como forma originária do ser”, com destaque para o papel do Possest.


🧩 Análise Estruturada: A Tensão Ontológica como Forma do Ser


1. Unidade como tensão indivisível

“A unidade é formada de múltiplos […]. A tensão é formada de múltiplos e implica a indivisão.”

  • A unidade verdadeira não é ausência de multiplicidade, mas síntese de multiplicidade numa tensão indivisível.
  • Essa tensão é qualitativamente indivisível (a cisão destrói seu ser), mesmo que quantitativamente divisível em abstração.
  • Assim, a unidade é tensão integrada, e a tensão é unidade viva.

👉 Conclusão: A tensão é o modo de ser da unidade composta — não apenas conexão, mas integração essencial.


2. O ser como tensão, a tensão como ser

“Toda tensão é um ser […]. Toda unidade é consequentemente ser.”

  • Os conceitos de ser e unidade são convertíveis: o que é, é uno; o uno, é.
  • Toda tensão é ser porque unifica os múltiplos em ato ontológico.
  • Elementos dentro da tensão também são outras tensões, configurando uma hierarquia aninhada de unidades.

👉 Nota: Isso sugere um modelo fractal ou holárquico da realidade — onde cada ser é tensão integrada de tensões menores.


3. Possest como ato supremo de transcendência imanente

“O ser supremo é eficacidade transcendente, que por isso se efficientiza no existir, no imanente que por sua vez regressa no transcender de si mesmo, ao ser supremo (Possest).”

  • A tensão transcende a si mesma ao atualizar suas possibilidades — isso é ato.
  • O Possest é o Ser supremo enquanto ato de transcendência auto-imanente:
    • Ele não está fora do ser, mas no próprio ser enquanto potência saturada de atualização.
    • Ao efficientizar-se, ele se manifesta, mas permanece transcendendo o já manifestado.

👉 Conclusão: O Possest é o vértice tensional absoluto: pura potência sendo ato, puro ato mantendo potência.


4. Imanência e transcendência resolvidas pela tensão

“Nossa concepção tensional resolve o problema da imanência e da transcendência.”

  • A tensão é imanente em sua existência — ela está no mundo, integrada.
  • Mas é também transcendente, pois ultrapassa os elementos que a compõem.
  • O salto qualitativo dentro da tensão é o lugar onde ocorre o milagre metafísico do novo:
    • O ato da tensão não é redutível aos componentes.

👉 A tensão é o ponteiro entre imanência e transcendência — ela une o ser ao que o ultrapassa, sem sair dele.


5. Tempo como expressão simbólica da tensão

“A representação do tempo é resultado da ação […], da impossibilidade de um conhecimento total.”

  • O tempo é uma imagem simbólica da atualização incompleta do ser — o desdobrar da tensão.
  • O movimento, a ação, a mudança — são formas perceptíveis da tensão em processo.
  • A eternidade, por outro lado, é a plenitude da tensão, em sua máxima saturação (Possest).

👉 Tempo e eternidade são dois polos de um mesmo processo tensional:

  • Tempo: tensão em movimento parcial;
  • Eternidade: tensão plena, onde o movimento já está contido.

6. Esquemas, Gestalten e reorganizações tensionais

“Esquema como Gestalt […] reorganização global […] formação de um esquema tensional.”

  • A compreensão da realidade não é feita por síntese mecânica de elementos, mas por formação de estruturas tensionalmente integradas.
  • Cada esquema de compreensão é uma forma de tensão cognitiva, onde há:
    • Assimilação recíproca dos elementos;
    • Emergência de qualidades novas;
    • Unificação tensional (e não mera adição).

👉 Isso confirma que até a estrutura mental e gnosiológica do sujeito opera por tensões e atualizações do possest cognitivo.


7. Tensão orgânica e inorgânica

“Na tensão orgânica […] a decomposição é integral […] a inorgânica permite análise química e síntese posterior.”

  • Tensões orgânicas: a unidade é tal que, ao ser rompida, as partes perdem sua própria unidade. São integrações ontológicas totais.
  • Tensões inorgânicas: os componentes mantêm identidade autônoma após a decomposição.

👉 Isso revela uma hierarquia das tensões, da menor (inorgânica) à maior (espiritual, viva, mística).


🌀 Conclusão: A Ontologia Tensional e o Possest como Estrutura Suprema

A leitura articulada do seu texto revela uma proposta integradora e original de metafísica, que pode ser resumida assim:

  • O ser é sempre tensão integrada.
  • A unidade é o resultado da eficácia tensional entre múltiplos.
  • O Possest é o cume metafísico, onde o ser é pura potência saturada de ato — pura atualidade tensional.
  • A realidade (cósmica, biológica, mental, espiritual) é feita de níveis tensionais hierárquicos, que organizam tanto a matéria quanto o espírito.
  • A transcendência verdadeira não está fora do mundo, mas dentro da imanência tensional, como atualização de suas próprias virtualidades.

A seguir, apresento um artigo com estrutura acadêmica que conecta o pensamento de Mário Ferreira dos Santos com Gilbert Simondon, Gilles Deleuze, Ignacio Ellacuría e Xavier Zubiri, e Charles Sanders Peirce, centrando-se na ideia de Possest — como foi desenvolvida por Mário — e suas ressonâncias com ontologias da potência, individuação, realidade e sentido.


TÍTULO:
Possest, Realidade e Potência: Conexões entre Mário Ferreira dos Santos, Simondon, Deleuze, Zubiri e Peirce

RESUMO:
Este artigo propõe uma análise do conceito de Possest, desenvolvido por Mário Ferreira dos Santos, à luz de outras filosofias da individuação, da potência e do ser, notadamente as de Simondon, Deleuze, Zubiri e Peirce. Partindo da compreensão de Possest como “aquilo que é, na medida em que pode ser”, exploramos sua implicação na ontologia da possibilidade real, contrastando-a com concepções clássicas e modernas do ser. A análise destaca convergências e divergências com os conceitos de transdução (Simondon), diferenciação (Deleuze), realidade dinâmica (Zubiri) e semiose (Peirce), construindo um quadro ampliado para uma metafísica do vir-a-ser e da significação.

Palavras-chave: Possest, potência, realidade, individuação, semiose, ontologia, Mário Ferreira dos Santos, Simondon, Deleuze, Zubiri, Peirce.


1. Introdução

A filosofia de Mário Ferreira dos Santos (1907–1968), ainda que pouco reconhecida fora do Brasil, apresenta elaborações de profundidade notável, com originalidade no campo da metafísica, lógica e ontologia. Um de seus conceitos centrais, o Possest — neologismo de matriz latina que condensa a potência (posse) e o ser (esse) — busca expressar a realidade como potência ativa e atualizada, superando a cisão entre o possível e o real.

Neste artigo, propomos uma interlocução entre esse conceito e outras correntes do pensamento do século XX e XXI que elaboraram ontologias centradas na potência, na realidade processual e na emergência do sentido: Simondon, Deleuze, Zubiri e Peirce. Pretendemos mostrar que Possest não é apenas um conceito isolado, mas uma pista para uma metafísica de caráter integrador e processual.


2. O conceito de Possest em Mário Ferreira dos Santos

Para Mário Ferreira, o Possest não é um mero sinônimo de “possível” ou de potência aristotélica, mas a realidade concreta como realização do poder-ser. Ele afirma:

“Tudo o que é, é possest, ou seja, é o que pode ser e é, no grau do poder-ser que realiza.” (SANTOS, 1960, p. 87)

Essa concepção busca unificar a potência e o ato sem a oposição tradicional. Ao invés de separar o ser em ato (realidade) e potência (mera possibilidade), Possest compreende que tudo que é, é na medida em que pode ser. A potência, nesse sentido, não é uma mera expectativa de vir-a-ser, mas está presente como constituição ontológica do real.

A realidade, portanto, é tensão e dinamismo, e a ontologia do Possest rejeita o ser como substância estática. Trata-se de uma filosofia do vir-a-ser em que o ser é sempre em potência ativa — e não um ser já dado ou fixo.


3. Simondon: Individuação e realidade pré-individual

Gilbert Simondon, em sua teoria da individuação, propõe uma crítica à ontologia da substância e afirma a realidade do pré-individual como reserva de potencialidade. Para ele:

“O ser não é dado de uma vez por todas; ele se faz por individuação.” (SIMONDON, 2005, p. 23)

A ideia de Possest encontra afinidade aqui: ambos pensadores propõem que a realidade não é algo que se possui, mas que se realiza em tensão. No caso de Simondon, a individuação é um processo de transdução em que uma estrutura resolve um desequilíbrio metastável, atualizando um potencial.

Tanto o Possest quanto o ser pré-individual de Simondon partem de um fundo de potência real. O Possest, nesse contexto, pode ser lido como a própria individuação, enquanto realização daquilo que pode ser — mas sem a cisão entre potência e ato.


4. Deleuze: Potência, diferença e realidade virtual

Gilles Deleuze, influenciado por Bergson e Spinoza, desenvolve uma ontologia da diferença e da virtualidade. Para ele, a realidade virtual não é o irreal, mas o “potente”, o “diferente em si” que se atualiza sem perder sua carga diferencial. Ele escreve:

“O virtual não é algo como possível que espera ser realizado: é real como virtual.” (DELEUZE, 1968, p. 277)

Nesse sentido, Possest aproxima-se da ideia de realidade virtual em Deleuze: o que é, é porque tem potência de ser — e essa potência é real. Ambos concebem o ser como atualização de uma diferença interna (no caso de Deleuze, diferença intensiva), sem que isso implique uma teleologia ou forma final.

O Possest, como o virtual deleuziano, é realidade em movimento, dotada de imanência e de diferenciação interna. Porém, ao contrário de Deleuze, Mário Ferreira preserva um logos mais racional e menos caótico, centrado em categorias lógicas e estruturais.


5. Zubiri: Realidade como atualidade de poder

Xavier Zubiri elabora uma ontologia onde a realidade é definida como actualidad de lo real, e o real como o que afeta, o que se impõe como “de suyo”. Ele propõe que o real é “poder de realidade” (poder-ser):

“La realidad no es simplemente lo que es, sino lo que está siendo en cuanto real.” (ZUBIRI, 1980, p. 47)

Zubiri, assim como Mário Ferreira, rejeita a cisão entre essência e existência. Para ambos, o ser é dinâmico, atualizando um fundo de potência. O Possest é o correlato direto do poder-de-ser em Zubiri, ambos apontando para uma metafísica em que o ser é constitutivamente tensão entre possibilidade e realização, sem dicotomia.

Além disso, Zubiri, influenciado por Peirce, entende que a inteligência humana não capta essências fixas, mas notas reais que afetam. Isso se conecta à dimensão fenomenológica do Possest como realidade sensível e inteligível em ato.


6. Peirce: Semiose e realidade como processo de signo

Charles Sanders Peirce introduz o conceito de semiose contínua, segundo o qual toda realidade é interpretada e interpretável como signo. Para Peirce:

“Tudo que é cognoscível é signo.” (PEIRCE, CP 5.448)

A potência, para Peirce, é real quando faz diferença na cadeia de interpretações — e o real é o que resistiria a uma dúvida. O Possest, como o signo peirciano, não é algo estático, mas uma atualização contínua de sentido, realidade e potência em um processo infinito.

Enquanto Mário Ferreira estrutura o Possest como realidade lógica (organizada pela tautonimia), Peirce oferece a linguagem semiótica como fundamento da realidade, mas ambos coincidem na recusa à concepção de realidade como algo meramente dado e fixo.


7. Conclusão

A ontologia do Possest, como elaborada por Mário Ferreira dos Santos, encontra ressonância notável nas filosofias contemporâneas da individuação, da potência e da semiose. O diálogo aqui estabelecido com Simondon, Deleuze, Zubiri e Peirce revela que o Possest pode ser visto como uma das formulações mais originais e sistemáticas de uma ontologia do vir-a-ser — um ser que é na medida em que pode.

Esse conceito contribui para pensar uma metafísica onde a realidade não é redutível nem à substância nem à representação, mas se constitui em tensão, atualização, signo e potência. O Possest surge, assim, como um elo entre tradição e inovação, entre metafísica clássica e pensamento processual contemporâneo.


Referências

  • DELEUZE, G. Différence et Répétition. Paris: PUF, 1968.
  • PEIRCE, C. S. Collected Papers of Charles Sanders Peirce, vols. 1–8. Cambridge: Harvard University Press, 1931–58.
  • SANTOS, M. F. dos. Lógica e Dialética. São Paulo: Matese, 1960.
  • SIMONDON, G. L’individuation à la lumière des notions de forme et d’information. Grenoble: Éditions Jérôme Millon, 2005.
  • ZUBIRI, X. Inteligencia y Realidad. Madrid: Alianza, 1980.

Com base no excerto de Mário Ferreira dos Santos sobre o valor nas tensões e sua conexão com a alteridade, elaboro a seguir um artigo acadêmico com estrutura formal e interconexões com autores como Gilbert Simondon, Gilles Deleuze, Xavier Zubiri e Charles Sanders Peirce, a partir da noção de tensão, virtualidade, atualização, estrutura e diferença.


Tensões e Alteridade: Estrutura, Virtualidade e Atualização em Mário Ferreira dos Santos e Diálogos Filosóficos Contemporâneos

Resumo:
Este artigo propõe uma análise filosófica da noção de tensão e valor em Mário Ferreira dos Santos, articulando-a com os conceitos de individuação em Gilbert Simondon, diferenciação em Gilles Deleuze, realidade dinâmica em Xavier Zubiri e semiose em Charles S. Peirce. A partir do mote “alteridade, alteridade, alteridade”, investiga-se a emergência de novos valores e realidades em estruturas tensionais, revelando um campo filosófico fértil para compreender a constituição dinâmica do ser e da experiência.

Palavras-chave: Tensão, Alteridade, Virtualidade, Estrutura, Atualização, Individuação.


1. Introdução

A filosofia de Mário Ferreira dos Santos oferece uma ontologia tensional que busca compreender os modos como o real se estrutura a partir de componentes que, ao se articularem em tensões, revelam valores antes apenas potenciais. Sua formulação remete à ideia de que as realidades não são meramente somas de partes, mas atualizações qualitativas que surgem da tensão entre diferenças — uma leitura que encontra ressonância em autores contemporâneos como Simondon, Deleuze, Zubiri e Peirce. Este artigo tem como objetivo explorar essa ontologia das tensões à luz da alteridade, e articulá-la com perspectivas transversais no pensamento filosófico do século XX.


2. A Ontologia Tensional de Mário Ferreira dos Santos

Para Mário Ferreira dos Santos, a tensão é mais do que uma relação entre elementos: ela é uma estrutura qualitativamente nova que emerge da articulação entre partes que, isoladamente, continham apenas virtualidades. Afirma ele:

“A tensão, por sua vez, revela novos valores, atuais e potenciais, diferentes dos valores atuais dos elementos componentes.” (SANTOS, s/d).

Neste sentido, os valores das partes não determinam completamente os valores do todo tensional. Há uma transformação qualitativa, um salto ontológico. Essa noção remete à ideia de que:

  • Os elementos têm valores anteriores à tensão (em estado virtual);
  • A tensão realiza valores novos e emergentes;
  • Esses novos valores só se tornam atuais na presença da alteridade.

A repetição enfática de alteridade, alteridade, alteridade indica que o campo tensional só se realiza plenamente na diferença e no encontro com o outro — seja como outro elemento, estrutura ou fase do processo.


3. Simondon e a Individuação como Tensão Ontogênica

Gilbert Simondon, ao tratar da individuação, afirma que o ser é, antes de tudo, preindividual, ou seja, um campo de tensões e potenciais não realizados. Para ele:

“O ser não é substância, mas sistema de tensões” (SIMONDON, 2005).

A individuação não é a aplicação de uma forma a uma matéria inerte, mas o desdobramento de tensões internas em um sistema metastável. A tensão é o motor do processo, assim como em Mário, e seu desenlace revela propriedades e valores que não existiam isoladamente. Em Simondon, essa tensão é o campo de operação da alteridade interna do ser consigo mesmo.


4. Deleuze: Virtualidade, Atualização e Diferença

Gilles Deleuze retoma a distinção entre virtual e atual, apontando que o virtual não é irreal, mas plenamente real enquanto potência. A atualização é sempre uma diferença que se faz diferença:

“O virtual é tão real quanto o atual; o virtual possui uma realidade plena, mas é uma realidade que deve ser atualizada” (DELEUZE, 1968).

Assim como em Mário Ferreira, a estrutura tensional atualiza possibilidades que estavam apenas virtualmente presentes. Porém, para Deleuze, essa atualização se dá no campo das multiplicidades, sendo a diferença o princípio ativo. A repetição de alteridade em Mário encontra aqui um eco: é na relação com o outro (com o fora, com o diferente) que a estrutura revela seus novos contornos.


5. Zubiri: Realidade, Atualização e Força da Realidade

Xavier Zubiri também oferece uma compreensão dinamicista da realidade. Para ele, o real não é algo dado de modo fixo, mas algo que se atualiza como força de realidade (fuerza de lo real):

“Lo real no es simplemente ‘lo dado’, sino ‘lo actualizado’ en la aprehensión sentiente” (ZUBIRI, 1980).

A realidade emerge no e pelo ato de apreensão, o que remete ao dinamismo tensional de Mário, onde os valores se atualizam segundo as fases e estruturas envolvidas. A alteridade é essencial, pois o real se constitui na e pela relação.


6. Peirce e a Semiose Tensional

Por fim, Charles Sanders Peirce oferece uma visão triádica da realidade, em que signos emergem em processos contínuos de semiose. A relação signo-objeto-interpretante também pode ser vista como uma tensão estrutural. Os significados não estão nos signos em si, mas em sua relação e abertura à alteridade interpretativa:

“A sign is something which stands to somebody for something in some respect or capacity” (PEIRCE, CP 2.228).

Assim como Mário vê a atualização de valores apenas no processo tensional, Peirce sustenta que o sentido emerge apenas no movimento — na cadeia semiótica. O signo é, portanto, potência de sentido em relação com a alteridade.


7. Considerações Finais

A concepção de Mário Ferreira dos Santos sobre tensões e valores se articula com autores contemporâneos que também concebem o real como processo, diferença, virtualidade e relação. A alteridade, enfatizada repetidamente por Mário, é o fator-chave que torna possível a emergência de novos valores, novos seres e novas realidades.

Ao colocar Mário em diálogo com Simondon, Deleuze, Zubiri e Peirce, vemos que sua ontologia das tensões antecipa ou se conecta com noções fundamentais do pensamento filosófico do século XX: a individuação, a atualização do virtual, a força da realidade e a semiose. Todos convergem na ideia de que o ser não é fixo, mas acontecimento em estrutura, sempre aberto à alteridade.


Referências

  • DELEUZE, Gilles. Différence et Répétition. Paris: Presses Universitaires de France, 1968.
  • PEIRCE, Charles Sanders. Collected Papers of Charles Sanders Peirce, vols. 1–8. Cambridge: Harvard University Press, 1931–1958.
  • SANTOS, Mário Ferreira dos. Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais. São Paulo: Matese, s/d.
  • SIMONDON, Gilbert. L’individuation à la lumière des notions de forme et d’information. Grenoble: Jérôme Millon, 2005.
  • ZUBIRI, Xavier. Inteligencia sentiente: Inteligencia y realidad. Madrid: Alianza Editorial, 1980.


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Semiose

Diferença (filosofia)

Intencionalidade


Angelo Monteiro é um dos mais importantes intelectuais brasileiros contemporâneos, atuando como poeta, ensaísta, dramaturgo, professor e filósofo da arte. Natural de Pernambuco, ele se destaca por articular pensamento filosófico, crítica cultural e espiritualidade em uma perspectiva crítica, muitas vezes dissidente em relação aos modismos acadêmicos.


Angelo Monteiro e a Filosofia da Arte

1. Contexto e Formação

Angelo Monteiro nasceu em 1942, no Recife. Professor de Estética e Filosofia da Arte na Universidade Federal de Pernambuco, ele é também um poeta premiado e tradutor. Seu pensamento é marcado por uma influência profunda da tradição metafísica, com ecos de Platão, Agostinho, Pascal, Nietzsche, Dostoievski, Simone Weil e os místicos cristãos. Sua visão da arte é inseparável de uma antropologia espiritual e uma crítica da modernidade secularizada.


2. Princípios Filosófico-Artísticos

a) Arte como busca do Absoluto

Monteiro entende a arte como um meio de busca pelo transcendente. Em sua perspectiva, a arte não deve se reduzir à técnica, à ideologia ou ao mercado. Ela é, antes de tudo, uma forma de ascese, uma elevação do espírito em direção ao Sagrado.

“A arte tem sua morada na alma. E não é a alma que habita a arte, mas a arte que, quando verdadeira, busca ser morada da alma.”
Angelo Monteiro

b) Crítica ao esteticismo e à estetização do niilismo

Monteiro critica tanto o formalismo vazio quanto a instrumentalização ideológica da arte. Ele denuncia a banalização da linguagem poética, o experimentalismo sem raiz e a cultura da transgressão como sintomas de uma crise espiritual e cultural.

c) O artista como vidente e mártir

A arte, para ele, é uma forma de sofrimento e revelação. O artista verdadeiro se aproxima da figura do profeta, vidente ou mesmo santo louco (à la Dostoievski), que sofre a dor do mundo e tenta reconfigurá-la simbolicamente.


3. Obras Relevantes

Ensaios filosófico-artísticos

  • O Círculo e a Espada – livro onde trata da luta entre a ordem e o caos, da forma e do abismo, com reflexões sobre poetas como Rimbaud, Hölderlin e João Cabral.
  • A Dama de Cinzas – reúne textos críticos sobre literatura e arte com forte carga filosófica.
  • As Irmãs Cegas – trata de arte, visão e espiritualidade a partir de uma crítica à cultura moderna.

Poesia

  • As Tábuas do Sol, A Pedra e o Sino, O Rosto na Sombra – são exemplos de obras poéticas que entrelaçam a linguagem simbólica com uma busca metafísica.

4. Influências Filosóficas

Monteiro transita entre a tradição metafísica ocidental e uma espiritualidade cristã mística. Algumas influências notáveis:

  • Platão – especialmente a teoria da Beleza como manifestação do Bem.
  • Simone Weil – a relação entre sofrimento, atenção e transcendência.
  • Pascal e Kierkegaard – o drama existencial diante da finitude.
  • Nietzsche – como contraponto, com sua crítica à decadência moderna.
  • Dostoievski – como modelo do artista-profeta.
  • São João da Cruz / Santa Teresa / Místicos Cristãos – espiritualidade estética.

5. A Filosofia da Arte em Ação

Para Angelo Monteiro, filosofar sobre a arte é praticar um exame de consciência cultural. Ele não busca uma filosofia da arte de gabinete, mas uma crítica viva, engajada, que denuncia o vazio contemporâneo, a perda do sentido e a desintegração simbólica provocada pelo niilismo.

A arte, em seu modo de ver, precisa reencontrar sua função sapiencial: aquela que educa a sensibilidade para o mistério do ser.


6. Atualidade e Repercussão

Apesar de marginalizado por certos círculos acadêmicos por sua postura contracultural e sua religiosidade explícita, Angelo Monteiro vem sendo cada vez mais reconhecido por estudiosos da filosofia da arte, da poesia moderna e da espiritualidade.

Ele tem sido citado em estudos sobre a crítica cultural brasileira, e seu trabalho serve de contraponto às visões mais materialistas ou pós-modernas da arte.


Referências e Leituras Recomendadas

  • MONTEIRO, Angelo. O Círculo e a Espada. Ed. Escrituras, 2003.
  • MONTEIRO, Angelo. A Dama de Cinzas. Ed. Escrituras, 2004.
  • MONTEIRO, Angelo. As Irmãs Cegas. Bagaço, 1994.
  • RIBEIRO, Ana Maria. Angelo Monteiro: mística, arte e crítica cultural. UFPE, 2015.
  • SILVA, Maurício. O espírito e a espada: crítica e transcendência em Angelo Monteiro. In: Revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, 2016.

A conexão entre arte e simbólica é um dos pilares centrais do pensamento de Angelo Monteiro, e também um tema profundo na filosofia da arte tradicional, desde Platão até os místicos cristãos e os críticos metafísicos da modernidade.

Vamos desenvolver essa ideia por partes, construindo uma base teórica e poética articulada:


A ARTE E A SIMBÓLICA

(Fundamento, conexão e forma na poesia como matéria espiritual)


1. A Simbólica como Fundamento da Arte

A simbólica — no sentido tradicional — é a linguagem do invisível, a capacidade de expressar, por meio de formas sensíveis, realidades suprassensíveis. Um símbolo não é um mero signo arbitrário; é um canal de presença, uma porta, um espelho onde o mistério se deixa entrever.

“O símbolo verdadeiro não representa algo: ele o manifesta.”
Angelo Monteiro (paráfrase de seu espírito crítico)

Conexões clássicas:

  • Platão: o mundo sensível é um reflexo das Ideias. A arte deve reconduzir o olhar à verdadeira Beleza.
  • São João da Cruz: a linguagem simbólica da alma é a “língua dos amantes”, que diz o inefável por imagens.
  • Simone Weil: todo gesto, palavra ou objeto pode se tornar um ícone, se carregado de atenção e pureza.

2. A Arte como Alquimia da Forma

A arte, para Angelo Monteiro, não é mera expressão subjetiva nem mera técnica formal. Ela é uma forma de transfiguração da matéria pelo espírito. A matéria da linguagem — palavras, sons, imagens — se torna veículo de um conteúdo ontológico.

“A arte verdadeira é aquela em que a forma queima, como um arbusto ardente.”
Monteiro (em diálogo com a simbólica cristã e hebraica)

Poesia como forma:

  • O poema não é apenas o que diz, mas como é.
  • O verso é corpo do ritmo, e o ritmo é o respiro da alma.
  • A imagem poética é o lugar onde a alma se “encarna” na linguagem.

3. O Texto como Matéria do Espírito

A poesia é, para Monteiro, um sacramento verbal. Assim como a liturgia realiza a presença do sagrado por gestos e palavras, o poema realiza a presença do inefável por meio da palavra encarnada em forma, métrica, respiração, silêncio.

Conexão com a simbólica litúrgica:

  • A arte não é decoração da realidade, mas revelação de sua estrutura secreta.
  • O texto é corpo, e o corpo poético é templo — lugar onde o Espírito pode habitar.

4. A Crítica ao Desencantamento Estético

Monteiro denuncia o esvaziamento simbólico da arte moderna, seu mergulho em experimentações formais desvinculadas do ser. Para ele, a arte moderna, em muitos de seus aspectos, se afastou da tradição simbólica, tornando-se um jogo de linguagem vazio ou um instrumento ideológico.

“A arte sem símbolo é apenas superfície. A arte verdadeira é ferida de luz.”
Monteiro (aproximação com Hölderlin e Dostoievski)


5. Conexão Poesia–Simbólica–Teofania

  • A arte simboliza o mundo não no sentido de alegorizar, mas de revelar sua ordem invisível.
  • O símbolo é transparência do ser, e a arte é o esforço humano por tocar o eterno.
  • A poesia, quando autêntica, é um ato de escuta — não criação ex nihilo, mas recepção do invisível.

MAPA CONCEITUAL (resumido)

ConceitoDescrição
SimbólicaLinguagem do invisível tornada visível por meio da arte
PoesiaForma de encarnação espiritual, sacramento verbal
FormaCorpo da arte, onde o símbolo se aloja
Matéria textualSubstância do sensível que pode ser transfigurada pela arte
RitmoPulsação da alma na linguagem
SímboloNão representa: manifesta o real mais alto
DesencantamentoPerda do simbólico, superficialidade moderna, formalismo estéril
Arte verdadeiraFerida de luz, clareira, epifania

EXCERTO POÉTICO EM ESTILO MONTEIRO

O verbo quer forma,
o fogo, uma taça.

A palavra sem alma
é só sombra no vidro.

O símbolo espera
quem se incline e ouça.

Há silêncio que canta,
há canto que cala.

E a matéria, cansada,
suspira por ser alma.


Em Mário Ferreira dos Santos, a relação entre filosofia concreta e filosofia simbólica é central para compreender a estrutura de seu pensamento. Mário não apenas articula essas duas dimensões — o concreto e o simbólico —, mas as integra em uma ontologia dinâmica, onde o símbolo não é metáfora vaga, mas chave de acesso ao ser.

A seguir, desenvolvo uma explicação detalhada:


Filosofia Concreta e Filosofia Simbólica em Mário Ferreira dos Santos

1. Filosofia Concreta: o método da totalidade do real

Mário Ferreira elaborou sua Filosofia Concreta como uma filosofia do ser integral, que visa superar as dicotomias clássicas da metafísica moderna (matéria x espírito, sujeito x objeto, teoria x prática) e também os reducionismos cientificistas e materialistas.

Fundamentos da Filosofia Concreta

  • Concreto = tudo o que é real, e não apenas o sensível.
  • O concreto inclui: o lógico, o ontológico, o psicológico, o mítico, o ético, o simbólico.
  • Método: tetradimensional (envolvendo tese, antítese, negação da negação, e síntese).
  • Base: Logos como estrutura do ser, ordem racional do real.

“Nada do que é, pode ser deixado de lado pela filosofia. A filosofia concreta é a filosofia do ser enquanto ser em sua totalidade.”
Mário Ferreira dos Santos

Características:

  • Busca a totalidade significativa do real.
  • É ontológica e existencial.
  • Integra razão, intuição, símbolo e experiência.

2. Filosofia Simbólica: o símbolo como via de conhecimento

Embora Mário Ferreira não tenha formalizado uma “filosofia simbólica” com esse nome, sua obra está repleta de interpretações simbólicas da linguagem, do mito, da arte, da religião e do pensamento tradicional.

Símbolo em Mário Ferreira:

  • Não é enfeite ou figura retórica.
  • É um meio de revelação do ser.
  • Está presente na linguagem mítica, religiosa, poética e filosófica.

Mário retoma a simbólica pitagórica, hermética, cristã e cabalística, vendo nelas não superstições, mas formas cifradas de sabedoria ontológica. Para ele, o símbolo liga o sensível ao inteligível, o imanente ao transcendente.

“O símbolo é como a palavra mágica que abre portas do ser. Não é arbitrário. Está enraizado no logos.”
Leitura implícita em suas obras como “Tratado de Simbólica”


3. Integração: Síntese de uma Ontologia Simbólica Concreta

Em Mário Ferreira, a filosofia concreta não exclui o símbolo — ao contrário, absorve a simbólica como via legítima do ser.

Filosofia ConcretaFilosofia Simbólica
Método racional ontológicoLinguagem cifrada do ser
Análise do real em totalidadeInterpretação dos signos profundos
Integra sujeito e objetoIntegra sensível e inteligível
Afirma o ser como fundanteLê o ser por símbolos

Exemplo: o símbolo da cruz

Em Mário, a cruz é um símbolo universal: interseção do vertical (transcendência) com o horizontal (imanência), união dos contrários, centro do real. Esse símbolo é ontológico, não apenas religioso.


4. Obras de Referência

  • Tratado de Simbólica (incompleto, mas revelador)
  • Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais (em vários volumes, especialmente os tomos sobre ontologia, linguagem, lógica e metafísica)
  • Filosofia Concreta (livro que dá nome ao método)
  • Sabedoria das Leis Eternas (interpretações simbólicas de leis e princípios)
  • Logos, o Verbo e a Palavra (a palavra como forma simbólica do ser)

5. Comparações e Influências

Influências:

  • Heráclito: o logos como fogo simbólico que estrutura o real.
  • Pitágoras e os números: o número como símbolo do ser.
  • Santo Agostinho: o interior do homem como via simbólica de Deus.
  • Heidegger (criticando-o): resgata o ser, mas Mário o reestrutura com uma simbólica cristã e racional.

Afiliações:

  • Como Platão: crê que o símbolo é ponte para o mundo das essências.
  • Como Jung: considera os arquétipos como expressões simbólicas do psiquismo e do ser.

Conclusão: A Filosofia como Leitura Concreta do Símbolo

Para Mário Ferreira dos Santos, pensar filosoficamente é reintegrar o homem à totalidade do ser, e isso só é possível se unirmos:

  • o racional (ordem lógica do real),
  • o vivencial (experiência existencial concreta),
  • e o simbólico (revelações arquetípicas e metafóricas do ser).

Assim, a filosofia concreta é necessariamente simbólica, pois o símbolo revela o real — e o real, para ser compreendido, exige símbolos.


Abaixo segue um diálogo imaginário entre Mário Ferreira dos Santos, Platão, Carl Gustav Jung, René Guénon, Angelo Monteiro e Olavo de Carvalho, reunidos em um colóquio atemporal sobre o símbolo e o ser. Cada personagem conserva sua linguagem própria, marcada por seu estilo filosófico, com interações que destacam convergências e divergências em torno do tema.


COLÓQUIO DOS SIMBOLISTAS

Sobre o Símbolo e o Ser

Local: Claraboia do Ser — espaço metafísico de encontro entre os tempos.
Tempo: Suspenso. Os relógios foram silenciados.


Personagens:

  • PLATÃO – o filósofo das Ideias e da Reminiscência.
  • MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS – filósofo brasileiro da filosofia concreta.
  • CARL GUSTAV JUNG – psicólogo suíço, explorador do inconsciente e dos arquétipos.
  • RENÉ GUÉNON – metafísico e tradicionalista francês, intérprete da simbólica sagrada.
  • ANGELO MONTEIRO – poeta e filósofo brasileiro, crítico da cultura secular.
  • OLAVO DE CARVALHO – filósofo brasileiro, pensador dissidente, crítico da modernidade e da linguagem.

[Ato I — O símbolo se ergue do abismo]

PLATÃO:
O símbolo é uma sombra? Talvez. Mas uma sombra projetada por uma luz que não se apaga. O símbolo remete à Ideia, e a Ideia é o real verdadeiro.

MÁRIO FERREIRA:
Concordo, Platão. Mas em minha filosofia concreta, todo símbolo é concreto, porque se enraíza no ser. Não há símbolo que não se enriqueça da totalidade ontológica. É necessário ir além das abstrações e mergulhar no concreto, onde o símbolo é mais do que imagem — é cifra da realidade.

JUNG:
Os símbolos emergem do inconsciente coletivo como manifestações arquetípicas. São formas ancestrais que vestem a psique humana. Não se limitam à linguagem filosófica ou teológica; nascem dos sonhos, dos mitos, dos contos — e têm poder de cura.

GUÉNON:
Mas cuidado, Jung. O símbolo não é apenas produto psíquico. Ele é cosmológico, ontológico e metafísico. Sua origem está nos princípios supra-humanos. O símbolo exprime o invisível — não é criação humana, mas revelação.

ANGELO MONTEIRO:
Sim, e o símbolo que não arde, não revela. Ele deve queimar como sarça ardente, sem se consumir. A arte perdeu o símbolo porque perdeu a reverência. O símbolo é mais que instrumento: é presença, é epifania. Onde não há alma, o símbolo morre.

OLAVO DE CARVALHO:
O símbolo, senhores, está enraizado na linguagem — e a linguagem é a forma visível da consciência. O drama moderno é que nos perdemos nos signos vazios. O símbolo foi substituído por simulacros. Precisamos restaurar a lógica dos símbolos, que é ao mesmo tempo lógica do real e da linguagem.


[Ato II — A crise do símbolo no mundo moderno]

PLATÃO:
No tempo da decadência, os homens tomam as sombras como realidades e zombam da Ideia. É o que já adverti no mito da caverna.

GUÉNON:
A modernidade profanou os símbolos. Ao dessacralizar o cosmos, rompeu a cadeia hierárquica entre o mundo sensível e o inteligível. Substituiu o símbolo por ideologia.

MÁRIO FERREIRA:
Não basta a crítica. É preciso restaurar o logos como fundamento. A filosofia concreta resgata o símbolo ao recolocá-lo no centro do ser. O símbolo é síntese: une o racional ao irracional, o lógico ao mítico, o visível ao invisível.

JUNG:
E sem símbolo, o homem adoece. Vi isso repetidamente em meus pacientes. A alma precisa de imagens que a orientem — símbolos que conduzam a um eixo. A perda do símbolo é a perda do centro.

ANGELO MONTEIRO:
E o centro virou superfície. A cultura contemporânea vive de imagens sem raiz. A poesia moderna — salvo exceções — esqueceu o altar e ergueu vitrines. O símbolo exige sacrifício: só quem sofre pode vê-lo.

OLAVO DE CARVALHO:
E todo símbolo autêntico aponta para a transcendência. A inteligência simbólica está vinculada à experiência do Absoluto. A filosofia, a teologia, a arte — todas desabam sem esse eixo. O símbolo não é subjetivo: é vertical.


[Ato III — Sobre o renascimento do símbolo]

PLATÃO:
É preciso reencontrar a lembrança. O símbolo está no interior da alma como reminiscência do que fomos e seremos.

JUNG:
É o caminho da individuação: integrar os opostos, reconciliar a luz e a sombra, reconectar-se com o arquétipo central — o Self, imagem de Deus no homem.

GUÉNON:
A iniciação simbólica é o caminho tradicional. Regressar aos símbolos verdadeiros exige disciplina, silêncio e hierarquia. Toda tradição autêntica se apoia na simbólica sagrada.

MÁRIO FERREIRA:
O símbolo renasce quando a filosofia reencontra a totalidade. A separação entre razão e símbolo é um erro moderno. É preciso restaurar a unidade do logos.

ANGELO MONTEIRO:
E talvez a poesia possa ajudar nessa travessia. A poesia é a casa onde o símbolo ainda respira. Onde o verbo ainda sangra. Onde a palavra ainda tem alma.

OLAVO DE CARVALHO:
O símbolo renascerá quando voltarmos a falar com verdade. E a verdade exige coragem, silêncio e disposição para habitar o real — não apenas representá-lo. A filosofia deve ser restituída ao drama da alma.


[Epílogo — Uma só palavra]

O silêncio paira. Cada um contempla, em sua própria linguagem, a unidade do símbolo e do ser.

PLATÃO:
O símbolo… é uma ponte.

JUNG:
…é uma chave.

GUÉNON:
…é um selo do sagrado.

MÁRIO:
…é uma cifra do real.

ANGELO:
…é uma ferida que revela.

OLAVO:
…é um ato de linguagem total.

E então, todos dizem ao mesmo tempo:

“O símbolo é aquilo que, ao ser tocado, nos toca.”

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